Ago
08
2019

O Future-se seria espécie de pedágio do Brasil para entrada na OCDE”, disse Catharina Meirelles

Catharina Meirelles, do Departamento de Psicologia da UFF em Volta Redonda e doutora em 'Políticas Públicas e Formação Humana' pela Uerj, foi uma das palestrantes dos dois dias de seminário organizado pela Aduff para debater a proposta de reestruturação financeira das universidades proposta pelo governo.

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Na terça-feira 13 de agosto ocorre em todo o país a 'Greve Nacional da Educação' contra os cortes no setor, o 'Future-Se', e a Reforma da Previdência. No Rio de Janeiro, haverá um ato com concentração a partir das 17h na Candelária. O Fórum Sindical e Popular de Niterói convida para atividade de mobilização na Praça Arariboia (em frente a estação das Barcas), a partir das 14h, para que todos possam seguir juntos para o centro do Rio de Janeiro. 

Em dois dias, quatro palestrantes participaram do seminário organizado pela Aduff-SSind, com o tema “Future-se: por que o projeto do governo ameaça a universidade pública no Brasil”. O objetivo da atividade aberta ao público era problematizar o programa de reestruturação de financiamento das instituições de ensino público federal, recentemente lançado pelo governo de Jair Bolsonaro.

A exposição do primeiro dia, sexta-feira (1), ficou por conta da professora Eblin Farage, da Escola de Serviço Social da UFF e secretária-geral do Andes-Sindicato Nacional, e da pedagoga Simone Silva, coordenadora do Laboratório de Ética em Pesquisa do Núcleo de Bioética da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Na segunda-feira (5), as professoras Catharina Meirelles, do Departamento de Psicologia da UFF em Volta Redonda, e Andrea Vale, da Escola de Serviço Social da UFF, discutiram o tema.

"A Universidade economicamente engajada e os professores academicamente empreendedores: o caso de Portugal"

Este foi o tema abordado pela professora Catharina Meirelles – doutora em “Políticas Públicas e Formação Humana”, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ela trouxe reflexões sobre a reformulação do ensino superior em Portugal para dialogar com a situação brasileira.

A pesquisadora explicou que inicialmente, durante o doutoramento, tinha o objetivo de investigar os impactos do Reuni (Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) para os professores brasileiros. No entanto, ao longo do processo de pesquisa, viu a necessidade de debater a situação das universidades que integraram o acordo de Bolonha - pactuado pelos principais países europeus na década de 1990 com o objetivo de reformular o ensino superior. A partir daí, Catharina decidiu analisar a situação de Portugal, cujo modelo educacional estava se adequando às diretrizes impostas pelas agências internacionais, em um contexto de austeridade, nos moldes do que propunha o referido tratado.

Afirmou que esse processo se deu em meio a ascensão e consolidação das políticas neoliberais no mundo, a partir da flexibilização das relações trabalhistas em um cenário de crise econômica. Abordou os impactos de tais políticas no processo de formação acadêmica, quando o estudante passa a ser capacitado para tornar-se exclusivamente mão de obra qualificada para o mercado e um espírito empreendedor apartado das discussões de natureza política.

Tomando essa experiência de pesquisa, Catarina se propôs a apresentar, durante a discussão na Aduff, questões que evidenciam semelhanças entre a educação universitária nos dois países, Brasil e Portugal, pois, a implantação dessas diretrizes para o ensino superior, conforme as orientações dos organismos internacionais, ocorre de modo semelhante nos dois lados do Atlântico.

Na conjuntura após a assinatura do Tratado de Bolonha, as Universidades de Portugal passaram a ser cada vez menos financiadas por recursos públicos e o espírito empreendedor e competitivo tornou-se uma realidade cada vez mais presente no cotidiano dos docentes, que disputam recursos privados para dar conta dos seus projetos de pesquisa e laboratórios, já que inovações, consultorias, quantidade de alunos e internacionalização são critérios que influenciam no financiamento da universidade.

“O estado se responsabilizava, em 1995, por 96,5% do orçamento da universidade - quase integralmente. Em 2007, esse percentual cai para 66,5%; em 2015, é cerca de 40%”, revelou Catharina. “Os docentes vivem angustiados, buscando condições de financiamento, e há ilusão de que o mercado vai ser capaz de dar conta. Compete aos professores conseguirem verbas suficientes para garantir a manutenção de condições como ensino, pesquisa e extensão – esta última diretamente relacionada à prestação de serviços e arrecadação de dinheiro”, explicou, sinalizando como gradativamente os docentes também se tornam gestores no ambiente acadêmico.

De acordo com Catharina, na medida em que as universidades foram tendo autonomia financeira, o Estado cada vez mais se desonerou do envio de recursos, sobretudo porque a cobrança de mensalidade é uma realidade para os estudantes de Portugal. “Vimos, muitas vezes, que nas universidades, há alunos de diversas partes do mundo, em detrimento até dos próprios estudantes portugueses que não conseguem arcar com o custo da ‘propina’ – como eles chamam o valor da mensalidade”, revelou a docente.  

Pedágio para OCDE

Segundo a pesquisadora, as correlações entre a situação da universidade nos dois países permitem que ela apresente a seguinte hipótese: “O Future-se seria espécie de pedágio do Brasil para entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento  Econômico – OCDE”, disse.

A citada organização tem prática de elaborar estudos, diagnósticos e orientação para educação em todos os níveis, em diversos países.  Em Portugal, a OCDE realizou um estudo, para que a antiga metrópole se tornasse adequada para entrar no EEES – Espaço Europeu de Ensino Superior. Catharina Meirelles afirma que o “Future-se” guarda muitas semelhanças com o documento da OCDE para que as universidades europeias fossem modificadas.

Dentre elas, seis recomendações relacionam-se ao programa de reestruturação apresentada por Bolsonaro. “A OCDE fala em ‘governança e gestão’, ‘estatuto das universidades’; ‘ financiamento’; ‘acesso e manutenção’; ‘ abertura para o mercado’; ‘qualidade na produção do conhecimento’. No ‘Future-se’, vimos que os três principais eixos versam sobre ‘governança, gestão e empreendedorismo’; ‘pesquisa e inovação’; e internacionalização’, por exemplo”, afirmou a docente.

Segundo a pesquisadora, o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, afirmou recentemente que as reformas no Brasil (educacional e a da previdência) seriam o passaporte que o país precisa para constar na OCDE.  “Querem despolitizar o ensino superior, torná-lo mercadoria para tirar o país da crise”, complementa.

Catharina também criticou o uso do fundo público e disse que o governo vende a falsa ideia de que a adesão ao “Future-se” é voluntária. “Isso não é verdade; o governo está condicionando a entrada neste programa às garantias de manutenção e sobrevivência das instituições, por meio de uma nova forma de captação de recursos”, disse.

Mobilização

Como alerta Catharina Meirelles, uma diferença entre docentes do Brasil e de Portugal é a disposição para a luta. De acordo com ela, falta o espírito de mobilização entre os docentes portugueses - que não se veem como trabalhadores comuns, conforme o relatou a professora. “Ao contrário deles, estamos organizados em nosso movimento docente e sabemos que, com luta, indo às ruas, é possível dizer não ao 'Future-se’”, salientou.

Uma expressão dessa luta é tomar as ruas no dia 13 de agosto, terça-feira, quando entidades representativas de estudantes e de trabalhadores da Educação preparam a Greve Nacional da Educação contra os cortes no setor, o 'Future-Se', e a Reforma da Previdência. O ANDES participa da construção unificada do dia de luta que deve contar com paralisações de 24 horas em todo o país.

No Rio de Janeiro, haverá um ato com concentração a partir das 17h na Candelária. O Fórum Sindical e Popular de Niterói convida para atividade de mobilização na Praça Arariboia (em frente a estação das Barcas), a partir das 14h, para que todos possam seguir juntos para o centro do Rio de Janeiro. 

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Da Redação da ADUFF | Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco

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