Nov
11
2020

Motoristas que jogou carro contra manifestantes em Niterói é enquadrado por “crime de trânsito”

Atropelamento feriu duas professores universitárias e três estudantes que realizavam protestos de rua em Niterói contra a reforma da previdência e os cortes na educação; caso aconteceu em junho de 2019, durante Greve Geral puxada por centrais sindicais no país

O motorista Andre Luiz da Cunha Serejo, que jogou o carro em cima de manifestantes, durante o ato de rua realizado em junho de 2019, em Niterói, foi enquadrado por “acidente de trânsito”, em audiência realizada na última quinta-feira (05). O Ministério Público (MP) propôs ao réu uma transação penal, acordo que tem a prerrogativa de excluir a ação penal. Ao aceitar, ele foi condenado a pagar o valor de um salário-mínimo em cestas básicas para uma instituição beneficente.

O caso aconteceu em 14 de junho de 2019, dia de Greve Geral no país contra a Reforma da Previdência e os cortes na educação pública. O motorista, que dirigia um Fox Vermelho placa LSB 1696, furou o bloqueio do protesto de rua, realizado em frente ao Hospital Universitário Antonio Pedro, e atropelou professores e estudantes, fugindo após o ocorrido. Entre os feridos estavam três estudantes e as professoras Kate Lane Paiva e Marinalva Oliveira, que atuam, respectivamente, na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os advogados que acompanharam as vítimas na audiência, Gabriela Fenske, da assessoria jurídica da Aduff, e Vitor Carvalho, da assessoria jurídica da Adufrj, tentaram alterar a tipificação do crime, de baixo poder ofensivo - como enquadrado pelo Ministério Público – para de alto poder ofensivo, para que não houvesse a possibilidade de transação penal. Dessa forma, seria aberta, obrigatoriamente, uma ação penal que acarretaria em uma sentença de condenação (ou absolvição) do réu. Contudo, o MP manteve o enquadramento dado, bem como a proposta de transação penal.

A professora da UFRJ, Marinalva Oliveira, mostra sua indignação com a decisão. “Após um ano e meio, o MP configura o ato como crime de trânsito. Estávamos na rua em defesa do direito à vida com dignidade, com Previdência e Educação públicas asseguradas, e quase pagamos com nossas vidas. Não podemos aceitar que um crime que foi cometido contra quem luta por direitos seja qualificado como acidente leve de transito. Isso é legitimar, com o aval do judiciário, o ódio e a violência, que têm tomado nossa sociedade nos últimos anos. Relembrar aquele dia é trazer à tona um enorme mal-estar. Porém o mal-estar maior é entender que esse ódio fascista é impulsionado por governos genocidas, como o de Bolsonaro, que incitam o ódio e a violência contra qualquer pessoa que manifeste divergência com suas políticas”, desabafa a docente.

Para a professora do Coluni-UFF, Kate Lane Paiva, que sofreu uma lesão grave no joelho e no tornozelo em decorrência do atropelamento, o caso também demonstra a seletividade da justiça brasileira.

“O caso foi tipificado como acidente de trânsito leve, mesmo com 5 vítimas. Mesmo que o motorista tenha nos visto de longe, tenha avançado no sentido da manifestação, encostado na gente e, por fim, decidido jogar o carro em nossa direção. Isso para mim é muito estranho e gerou muita indignação. É muito sintomático da nossa sociedade racista e elitista que um homem branco, de classe média que joga um carro em cima de manifestantes seja irresponsabilizado pela mesma justiça que condena um homem preto portando material de limpeza, como Rafael Braga”, destaca. Por conta do atropelamento, Kate ficou 90 dias afastada do trabalho, sem poder colocar o pé no chão e em tratamento para voltar a andar.

As vítimas irão apresentar recurso de apelação contra a transação penal e ingressar com uma ação civil com pedido de reparação de danos materiais para cobrir os custos do tratamento.

Da Redação da Aduff, por Lara Abib

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