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Fev
24
2021

Bolsonaro tenta aprovar no Senado fim do piso de recursos para saúde e educação

PEC Emergencial é apontada por críticos como um dos maiores retrocessos nestas áreas em décadas; proposta também pode levar a congelamento de salários e benefícios de servidores 

Enquanto servidores públicos atuam na linha de frente do combate à pandemia que já levou a quase 250 mil mortes no país, articula-se no Congresso Nacional e nos gabinetes de Brasília a aprovação acelerada de uma emenda constitucional que põe fim à obrigatoriedade de investimentos mínimos em saúde e educação pela União, estados e municípios. 

É o que consta no parecer do senador Márcio Bittar (MDB-AC) para a Proposta de Emenda Constitucional 186/2019, que o governo federal e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tentam votar com urgência na sessão plenária da Casa. A votação da PEC Emergencial, como é chamada, estava inicialmente sinalizada pelo presidente do Senado para esta quinta-feira, dia 25 de fevereiro de 2021. Mas o próprio senador disse, segundo a Agência Senado,  que essa definição ainda dependeria do resultado de uma reunião entre líderes de bancadas. A péssima repercussão, porém, do fim dos pisos da saúde e educação, tornou improvável a votação nesta quinta. A desvinculação é defendida veementemente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Entidades sindicais que se opõem à proposta defendida pelo presidente Jair Bolsonaro criticaram o parecer, apontado como tentativa de impor enorme retrocesso na saúde e educação públicas, para muitos potencialmente o maior desde a aprovação da Constituição Federal de 1988. A proposta está sendo defendida colada a medidas relacionadas à pandemia da covid-19, principalmente o retorno do auxílio emergencial. Não há, porém, nada que exija essa vinculação - trata-se, antes de mais nada, de uma opção política e de prioridades econômicas.

Ainda em relação a serviços públicos, o substitutivo exclui o gatilho que poderia ser acionado para reduzir salários em até 25% de servidoras e servidores federais, estaduais e municipais a partir de determinado quadro fiscal. No entanto, mantém o gatilho para congelar salários, benefícios, promoções e realizar concursos e contratações. A abrangência deste congelamento é até mesmo ampliada, embora o gatilho deixe de ser automático, como na proposta original, e passe a ser uma decisão do chefe do Executivo de cada estado, município e União.

Parecer não trata saúde e educação como prioridades

Hoje, os estados têm que destinar 12% de seus recursos para a saúde e 25% para a educação, enquanto na esfera federal os índices são, respectivamente, de 15% e 18%. O substitutivo que vai à votação desvincula as receitas para esses setores sociais - assim, a definição sobre a área de destino dessas receitas públicas seria decidida na votação anual dos orçamentos de cada ente federativo.

Por outro lado, embora coloque as eventuais despesas com o auxílio emergencial à margem das regras de limitações orçamentárias e fiscais, o substitutivo não altera o teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional 95. A EC 95, aprovada em 2016, 'congela' os recursos destinados aos serviços públicos, investimentos e áreas sociais, enquanto não cria quaisquer obstáculos ao direcionamento orçamentário para o pagamento de juros e amortizações das dívidas públicas.

A PEC Emergencial também não toca na regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, um dos caminhos apontados por sindicatos, movimentos sociais e por economistas não alinhados ao governo e a grandes empresas para arrecadar recursos a serem destinados ao combate às crises sanitária, social e econômica. O imposto está previsto na Constituição Federal de 1988. Passados mais de 32 anos, até hoje não foi regulamentado.

O texto original da PEC 186 previa a unificação dos pisos da saúde e educação. O relator, porém, disse em seu parecer considerar a mudança 'insuficiente', como mostra trecho da exposição de motivos por ele apresentada: "Outro debate de grande relevância trazido na PEC 188, de 2019, foi o referente aos pisos de despesas com saúde e educação. Lá, foi proposta uma forma de compensação desses pisos, o que consideramos, sem dúvida, um passo na direção correta: a de aumentar a autonomia dos gestores públicos a fim de que possam atender às reais necessidades da sociedade, reduzindo assim amarras que representam desperdício dos escassos recursos públicos. Entendemos, no entanto, que se trata de um avanço insuficiente. Afinal, a flexibilização proposta é, de fato, muito tímida, pois, ao consolidar as duas áreas, a exigência de despesa mínima se mantém a mesma. Não se cria, portanto, espaço adicional para o atendimento de inúmeras outras demandas sociais, que hoje precisam se contentar com migalhas orçamentárias".

O senador Márcio Britto argumenta que a medida não significará um 'retrocesso social', o que é vedado pela Constituição Federal. Para justificar o seu raciocínio, chega a sugerir que as despesas com as duas áreas podem se manter estáveis ou até aumentar, apesar da alteração. Não explica, no entanto, porque quer modificar o texto constitucional se ele próprio dá a entender que este seria o melhor cenário para as duas áreas caso os pisos sejam suprimidos. "Não há retrocesso no grau de efetivação dos direitos sociais, mas apenas a exclusão do piso arbitrária e centralizadamente pensado e imposto. Basta imaginar o cenário em que, mesmo com a desvinculação das receitas, o investimento em saúde e educação cresça; ou se mantenha estável; ou, ainda, seja reduzido, mas compensado com ganhos de eficiência; em nenhuma dessas situações se pode afirmar ter havido vulneração do grau de efetivação dos direitos sociais", argumenta o senador.

Plenária dos servidores

Reunidos em plenária ampliada por videoconferência, representantes de frentes de luta regionais e sindicatos do funcionalismo aprovaram um calendário de mobilizações em defesa dos serviços públicos e contra a 'reforma' administrativa, que consta na PEC 32/2020, mas também está relacionada a outras matérias, como a PEC Emergencial. A plenária foi convocada pelo Fonasefe (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais).

O calendário inclui aumento da pressão imediata sobre os senadores contra a PEC 186 - por meio de envio de mensagens, campanha nas redes sociais e contatos remotos ou presenciais com os parlamentares -, participação na construção dos atos do Dia Internacional da Mulher (8 de março), protocolar as reivindicações e solicitar audiências nos poderes Legislativo e Executivo nas três esferas do serviço público e jornada de lutas e mobilizações de 15 a 19 de março, contra a 'reforma' administrativa. 

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Hélcio Lourenço Filho

 

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