Em um debate diverso em idades, classes e credos, professores e estudantes do Coluni/UFF e de outras unidades da Universidade, além de integrantes da sociedade civil de Niterói, se reuniram, na terça-feira (31), para participar da roda de conversa sobre liberdade religiosa, no Colégio.
Promovido pela Aduff-SSind e pelo Grupo de Trabalho em Política de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) da entidade, o evento aconteceu no auditório do Colégio Universitário Geraldo Reis, com a presença de Paula Moita, doutoranda em Educação na UFRRJ, professora da rede municipal do Rio de Janeiro e mãe de Santo; e Júlio Oliveira, teólogo, pastor e militante pelos direitos das minorias.
O debate foi precedido pela apresentação de capoeira e de jongo dos estudantes das séries iniciais do Coluni. O projeto é parte do Pibiquinho (Programa de Pré-Iniciação Científica Júnior) “O tambor e a diáspora africana no Brasil” e do programa de Extensão “ODU- Programa de pesquisa e extensão em Educação antirracista”, ambos coordenados pela professora Ana Carolina Lacorte Lima.
A luta é pelo respeito
Professora da rede municipal do Rio, Paula Moita destacou que a defesa da liberdade religiosa é tão ampla que inclui a liberdade de não ter uma religião. Na roda de conversa, Paula frizou que a luta, que começou como uma luta contra a “intolerância religiosa” avançou para reivindicar a liberdade religiosa, de credo e de não credo. “Não queremos ser tolerados, a luta é pelo respeito”, explicou.
A mãe de santo também frizou que a expressão “racismo religioso” é reconhecida para falar sobre a prática de preconceitos e discriminação contra expressões das religiões de matriz afro-brasileiras e africanas, como o candomblé, a umbanda, entre outras. “O racismo é tão cruel que vai se enveredando em todos os espaços, a fim de apagar toda essa cultura negra, todo esse saber, esse conhecimento. Então muitos dos ataques que os terreiros sofrem, que os candomblecistas, que os umbandistas sofrem, eles também são cunhados pelo racismo religioso”, reforça.
Para Paula, se é um desafio falar para diferentes faixas-etárias e pessoas de diferentes lugares, como aconteceu na roda de conversa no Coluni, também é uma oportunidade ímpar para o debate e tomada de consciência.
“A pluralidade representada aqui na escola é a que a gente encontra lá fora. A gente aprende lá no terreiro que é a partir das crianças que a gente muda o mundo. Que vocês possam estar sempre participando de todo o espaço de troca e de conhecimento que for ofertado e oportunizado para vocês. É assim que a gente muda o que a gente não gosta na sociedade, enfrentando. E a gente só pode enfrentar aquilo que a gente conhece. Para poder combater os diversos tipos de preconceito, inclusive o religioso, a gente precisa conhecer”, frizou.
Combate ao fundamentalismo religioso
Teólogo, pastor e militante pelos direito humanos, Júlio Oliveira contou, na roda de conversa, sobre sua trajetória de vida e dentro da religião evangélica. Criado por “mãe crente batista e de pai de terreiro”, Júlio foi ordenado diácono da igreja batista com 20 anos de idade.
Hoje, com 58 anos e depois de uma série de questionamentos, destaca que não tem mais como viver uma experiência de espiritualidade pastoral onde não consiga ser plural, diverso, ecumênico e inter-religioso. “Não consigo caber num espaço que eu não possa viver essa experiência”.
Entre os incômodos do pastor estava “a invisibilização e um tom de deboche em lidar com as questões que as igrejas historicamente enfrentam. O fingimento que não se vê algumas coisas, que não têm gay na igreja, que mulher não apanha. Esse fingimento me fez viver uma experiência muito difícil”, confessou.
Para o pastor, “é possível viver uma experiência religiosa que respeita a liberdade religiosa e de culto das outras pessoas”. O teólogo que também integra o Conselho Estadual de Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa diz que o caminho que ele fez foi de “se embrenhar na cidade” para conseguir achar essa resposta. Ele saiu da Igreja Batista “sem brigar com ninguém”, conta, e hoje pastoreia uma comunidade progressista em São Gonçalo.
“Se a cidade é plural, se tem suas religiões, seus corpos, suas orientações, eu tenho que conseguir fazer um caminho de comunidade de fé e de igreja que abarque essas relações. Tenho que conseguir viver nessa cidade, com essas pessoas, acolhendo essa diversidade, sem me tornar uma figura envagélica bélica que vai ficar discutindo com todo mundo, quebrando terreiro, ofendendo as pessoas. O combate direto ao fundamentalismo religioso e à promoção da liberdade religiosa viraram tarefas e um compromisso meu”, relatou. O pastor ainda alerta que há muito dinheiro por trás do fundamentalismo religioso. “O financiamento é monstruoso e internacional”.
Estado laico e a garantia da liberdade religiosa
Presidente da Aduff, professora do Coluni/UFF e coordenadora do GTPCEGDS, Maria Cecília Castro destacou como é fundamental que o Grupo de Trabalho realize essas conversas numa perspectiva classista. “Não podemos perder isto de vista porque são nessas falas como a do Júlio que a gente entende o quanto o capital vem regendo também as religiões, inclusive quando há conflitos, numa perspectiva que é racista, que é lgbtfóbica, que é misógina, que é capacitista. A gente vê o quanto é importante a gente fazer essa discussão num âmbito de sindicato classista e de como isso atravessa as nossas vivências”, disse.
Presente na atividade, a secretária geral da Aduff, Susana Maia, parabenizou o GT em Política de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) pela ousadia de fazer o evento com essa temática. Para ela, não há qualquer incongruência em debater liberdade religiosa e a defesa que Estado e escola permaneçam laicos.
“A religiosidade está presente na nossa vida, na nossa construção enquanto sujeitos e essa é uma forma de humanizar e de compreender a amplitude dos sujeitos e o que a gente defende de dignidade humana. O debate de liberdade religiosa também compõe o que a gente defende enquanto direito das populações negras, em especial. Por que só algumas religiões são alvo de intolerância e não podem ser manifestadas? Para garantir um estado laico, a gente tem que garantir a liberdade religiosa de todo mundo”, ressaltou, na roda de conversa.
Da Redação da Aduff | por Lara Abib