A sessão do Conselho, que acontece de maneira remota desde o início da pandemia da covid-19, foi retransmitida ao vivo na sede da Aduff-SSind, reunindo professores e, principalmente, estudantes protagonistas dessa luta.
Para o conselheiro estudantil, Nicolas Fuly, é importante lembrar que a conquista – um marco histórico não só da UFF, como de todo movimento estudantil e da comunidade de pessoas trans, travestis e não binárias - é fruto de muita luta, em especial da Rede Transvestis UFFianas, coletivo de estudantes trans que lutam por políticas públicas dentro e fora da universidade.
Durante a reunião, o estudante de Antropologia destacou que o processo de inclusão de pessoas trans na universidade, além de promover reparação para uma população extremamente marginalizada, vai contribuir muito com a produção de ciência na instituição.
“A gente sabe que a produção do saber ainda é muito eurocêntrica, branca e cisheteronormativa. A implementação das cotas trans na UFF também vai servir de exemplo para outras universidades no país. É um recado para as reitorias de todo o Brasil que não podem se acovardar nesse processo, nem permitir discursos de ódio. Toda pessoa trans que entrar na universidade vai ser uma vitória imensa”, frizou Nicolas, na reunião.
Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), estima-se que cerca de 70% das pessoas trans não concluíram o ensino médio e que apenas 0,02% acessam o ensino superior. O Brasil também é o país que mais mata pessoas trans no mundo.
A votação sobre cotas trans na universidade é consequência de uma demanda apresentada pela Rede Trans UFF, durante audiência com o reitor da UFF Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, ao final de 2023, após um episódio de transfobia por parte da equipe de segurança/vigilância da Universidade.
Na ocasião, o reitor se comprometeu em criar um Grupo de Trabalho para debater e implementar cotas na graduação para as pessoas trans e travestis na Universidade. A Comissão Transvestigênere foi instituída no primeiro semestre deste ano e envolveu representantes estudantis, técnicos (as) e docentes dedicados a elaborar uma minuta a ser apresentada, discutida e votada pelo CEPEx.
Resolução
De acordo com a minuta aprovada por unanimidade na reunião desta quinta-feira, 19 de setembro de 2024, poderão concorrer às vagas reservadas a pessoas trans, para graduação ou pós-graduação, aqueles e aquelas que, tendo cursado integralmente o ensino médio em escola pública, se autodeclararem no ato de inscrição, devendo validar essa condição posteriormente, e de acordo com edital, por meio de Memorial Descritivo e de Banca de Heteroidentificação.
Também de acordo com a resolução, a designação “pessoa trans” será utilizada como termo guarda-chuva que abriga as categorias de pessoas que se autodeclaram pessoas travestis, transexuais, transgêneras - transmasculinas, transfemininas e ou trans não binárias.
Confira aqui a resolução aprovada na íntegra no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFF.
Coordenadora da Rede Transvesti UFFianas e cria da escola pública, a estudante de Ciências Sociais da UFF, Ariela Nascimento reforça que a aprovação da minuta é um marco não só na universidade, mas sobretudo na vida daqueles e daquelas que têm sonho e desejo de entrar na universidade "e que sempre encararam a prostituição enquanto esquina de produção de saberes e querem chegar na universidade e dizer ‘sim, nós somos capazes de construir outras epistemologias e outro projeto de sociedade em que caibam todos os corpos’. (...) Essa luta não se inicia dentro da universidade, mas em cada esquina e em cada canto desse país onde existe movimento transvestigênere politicamente organizado”, disse.
Estudante de Pedagogia e integrante da Rede Trans, Lua Quinelato concorda. “Nossa vitória veio a partir de muita violência institucional dentro da própria UFF e de muito apagamento dos nossos corpos em várias organizações políticas. Ver o nosso campo organizado, pautando e aprovando essa politica dentro da UFF – um dos nossos principais propósitos ao construir a Rede - e expandindo isso para fora, com diálogo com outras universidades é essencial. Não é só acesso, queremos permanecer na UFF, nos formar, entrar no mercado formal de trabalho e ter acesso a novos futuros, um futuro digno. Não queremos ter como única opção de vida a esquina prostituição ou subemprego. Vamos transicionar e atravecar a UFF”, falou, durante a reunião do CEPEx.
Presente na reunião, a presidenta da Aduff-SSind, Maria Cecília de Castro pediu a palavra para expressar o orgulho de fazer parte da UFF e de ser testemunha desse momento histórico.
“Queria dizer que muito me orgulha saber que essa universidade é ocupada por estudantes, técnicos e professores tão aguerridos. E dizer que a universidade que a gente quer, a sociedade que a gente quer é uma sociedade que de fato inclua e dê a possibilidade de todes sonharem. Saber que temos, juntos na luta, a Rede Trans, esses jovens que nos ensinam tanto, me dá muito orgulho. Saber que a UFF é um espaço de produção de conhecimento e que esses estudantes trans que estão nessa universidade hoje construíram isso de maneira muito aguerrida e que muites outres virão me dá muito orgulho. Como professora da educação básica, saber que a educação é um direito, [ imagino que ] Paulo Freire está muito feliz também. Muito feliz também estou como mãe de um adolescente trans. De saber que meu filho, que é aluno dessa casa, pode inclusive pensar na graduação e na pós-graduação. (...) Orgulho de saber que a Aduff está junto nessa luta e conquistou essa vitória com o protagonismo desses estudantes. Agradecer mais uma vez o tanto que vocês me ensinaram e dizer que a que a gente vai continuar juntes, na luta não só pelo acesso, mas pela permanência de todos, todas e todes e, principalmente, por uma educação pública, gratuita e referenciada socialmente”, finalizou.
Da Redação | por Lara Abib