A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, a da reforma trabalhista, ainda não tinha entrado em vigor, mas anúncios de emprego já procuravam candidatos a partir de um “novo perfil”: contratação em sistema “intermitente” – conforme a demanda das atividades, reduzindo ou ampliando horários - sem direito a vale refeição ou transporte, com o valor de R$4,45 por hora – essa é a oferta em tempos de crise para aqueles que pretenderem uma vaga nas redes de franquia Bob’s, Balada Mix e Choe’s Gourmet, administrados por uma mesma empresa, em Vitória (ES).
"A nova lei desestabiliza o mercado de trabalho conforme conhecemos, seja pela lógica do indivíduo, seja pelos indicadores sociais", afirmou Luanda Botelho, professora de relações trabalhistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, que debateu a reforma trabalhista em evento realizado na Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense. Ela e Adhemar Mineiro, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese explicitaram as principais mudanças na legislação, a convite do Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileiras – Neb, no último dia 13 – dois dias após a nova reforma entrar em vigor.
Aprovada pela Câmara dos Deputados, em abril de 2018, e no Senado, em julho passado, as mudanças propostas pela reforma trabalhista alteram substancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, promulgada em 1943. Apesar dos mais de setenta anos, a legislação passou por várias modificações ao longo das últimas décadas, mas, ainda assim, resguarda o trabalhador perante o empregador.
No entanto, a reforma trabalhista sancionada pelo presidente Michel Temer, na prática, modifica as relações no mercado brasileiro e fragilizam o trabalhador diante do patrão, sobretudo porque prevê a dominância do negociado sobre o legislado, o aumento do número máximo de dias de trabalho temporário, aumento e redução da jornada de trabalho, de salários e da duração de intervalos, entre outros aspectos.
Luanda Botelho criticou as alterações na jornada de trabalho, que preveem que o patrão possa convocar o funcionário a qualquer instante, desde que com três dias de antecedência. Também condenou o fato de a nova legislação indicar a perda de alguns direitos, como trabalhar em escala 12x36horas, sem receber o pagamento em dobro quando a jornada ocorrer em um domingo ou em um feriado.
Terceirização
Para a professora da UFRJ, a reforma trabalhista tem que ser pensada em conjunto com a regulamentação da terceirização para toda e qualquer atividade. A docente, que criticou esse modelo de contratação que precariza o trabalhador, revelou dados que evidenciam que 80% dos acidentes em locais de trabalho envolvem funcionários terceirizados. Eles ganham cerca de 30% a menos como salário e trabalham 3h a mais por semana, conforme dados do Dieese. “Entre 2010 e 2013, nove dos dez maiores resgates de trabalhadores em condição análoga a de escravo eram empregados terceirizados”, disse a docente.
Excludente
Luanda Botelho também destacou que a reforma trabalhista atinge principalmente as mulheres, que, majoritariamente, acumulam atividades domésticas e laborais. Citou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad que apontam que, 2005 e 2015, mulheres com mais de 16 anos estão em maior número nas atividades do mercado informal. “A reforma trabalhista permite que gestantes e lactantes, por exemplo, atuem em locais insalubres – o que antes era negado pela lei”, criticou.
A nova legislação trabalhista foi considerada pela palestrante extremamente excludente porque também impossibilita que pessoas com menor escolaridade tenham fácil acesso à justiça. De acordo com as novas regras, como aponta Luanda, o empregado que antes era beneficiado pela justiça gratuita e que acha que foi lesado, se desejar mover ação contra o empregador terá que custear as despesas do processo trabalhista. “A impressão que dá é a de que querem amedrontar e, por consequência dificultar, o acesso do empregado à Justiça do Trabalho”, disse a docente da UFRJ.
Ela criticou ainda o fato de o papel dos sindicatos serem esvaziados nos termos dessa nova legislação, que, encerra a contribuição sindical obrigatória e na prática, dispensa as entidades sindicais de acompanharem o trabalhador durante a rescisão contratual. “Isso desestrutura a relação entre a categoria e os sindicatos”, disse.
Luanda também revelou que, de segundo as novas regras, se a demissão ocorrer em comum acordo, o empregador não necessita mais pagar 40% de multa pelo FGTS; o trabalhador levará apenas 20% sob o Fundo de Garantia e somente poderá resgatar 80% do valor acumulado, sendo ainda mais penalizado.
Falácia
O economista Adhemar Mineiro, do Dieese, disse que a reforma trabalhista está inserida no contexto maior de predominância do neoliberalismo, que ganhou a Europa nos anos 1980 e, na década seguinte, tomou fôlego no Brasil.
Afirmou ainda que a nova legislação trabalhista de Temer é um dos grandes retrocessos promovidos pelo governo, assim como a regulamentação da terceirização, e a proposta de reforma previdenciária. A nova legislação trabalhista esvazia o papel do Estado, reduz a ação sindical e retira direitos individuais. Esse pacote reformista que atende exclusivamente aos interesses do mercado e dos grandes empresários deve ser analisado à semelhança do que ocorreu em países da Europa, que privilegiaram o modelo rentista de economia, nos últimos anos.
Os defensores dessa agenda que retira direitos alegam que é necessário 'modernizar' as relações de trabalho no país, o papel do Estado e ainda apontam que a nova legislação pode estimular a economia e criar empregos – o que para Adhemar é um argumento bastante frágil. “Vimos que a crise de 2008 não foi apenas uma ‘marolinha’ –é o nível de atividade produtiva de um país que determina a oferta de salário e de emprego; quando se flexibiliza as leis trabalhistas, a crise se aprofunda", disse o economista.
DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco