Dez
14
2023

Coluni/UFF é exemplo de resistência à implementação do Novo Ensino Médio

Amparados pela autonomia universitária, docentes mantiveram grade curricular com quatorze disciplinas e não reduziram tempo de aula dos estudantes

Resistência. A palavra define a mobilização de docentes do Colégio Universitário Geraldo Achilles Reis, o Coluni, da Universidade Federal Fluminense, contra a obrigatoriedade de adoção do Novo Ensino Médio (NEM) na unidade, que é de ensino integral.  

Ao compreenderem que o novo modelo de Ensino Médio traria prejuízos à formação dos alunos, os professores constituíram grupo de trabalho multidisciplinar para estudar e debater o tema. Reivindicaram a autonomia universitária, prerrogativa do artigo 207 da Constituição Federal de 1988, e deliberaram por não adotar o NEM em 2023. 

Portanto, mantiveram quatorze disciplinas no fluxograma das aulas, com o lema de "Nenhuma disciplina a menos", defendido pelo coletivo docente para preservar na grade curricular da unidade os tempos de Português, Matemática, Artes, Educação Física, Inglês, Espanhol, Sociologia, Filosofia, Música, História, Geografia, Química, Física e Biologia. 

“Quando retornamos ao ensino presencial, em 2021, começamos a ficar alertas com as pressões que se iniciavam com vistas à implantação do NEM, prevista para o ano seguinte. Após praticamente dois anos de Ensino Remoto Emergencial (ERE), os estudantes apresentavam muitas dificuldades não apenas nas aprendizagens, mas na adaptação à rotina escolar, no relacionamento social e na saúde mental. Naquele momento não havia nada mais correto a fazer do que acolher e escutar a comunidade escolar”, explica Luciana Santos Collier, que foi vice-coordenadora pedagógica da unidade de 2021 a junho de 2022. Ela também ressaltou à reportagem a importância de Karine Bloomfield, professora de Biologia, nesse processo de acolhida aos discentes.

Diante da urgência do tema, um Grupo de Trabalho (GT) do NEM foi constituído no Coluni, em 2022, com o objetivo de aprofundar as leituras sobre o tema e avaliar minuciosamente os impactos da implantação do modelo na unidade. 

O GT contou com a participação de doze professores que representavam diferentes disciplinas do currículo do EM, a saber: Carlos Augusto Aguilar Junior (Matemática); Claudia Valéria Vieira Nunes Farias (Inglês); Diego Barbosa Moura (Física); Emerson Guimarães (História); Gisele dos Santos Miranda (Química); Isabella Vitória Castilho Pimentel Pedroso (Geografia); Kate Lane Costa de Paiva (Artes); Karine de Oliveira Bloomfield Fernandes (Biologia); Maria Carolina de Oliveira Barbosa Gama (Portuguesa e Literatura); Paulo Henrique Flores Cople (Filosofia); Thiago Oliveira Lima Mattioli (Sociologia) e Luciana Santos Collier (Educação Física), que presidiu o Grupo de Trabalho.

Carência de professores

De acordo com Luciana, no início do ano letivo de 2023, o GT foi dissolvido e a escola iniciou um processo de arrefecimento desta luta. “Vivemos um ano extremamente atípico em nossa Unidade, pois com a interrupção dos contratos FEC (Fundação Euclides da Cunha/UFF) e a não substituição destes contratos por vagas efetivas ou substitutas, tivemos que lutar com uma carência de professores, que deixou alguns estudantes sem algumas disciplinas importantes durante todo o ano letivo”, afirmou.  

A comunidade escolar recebeu uma carta, encaminhada pelo GT, explicando as razões que fundamentaram a decisão de negar a adoção do NEM em 2023. No documento, os docentes escrevem que “as nossas principais críticas foram contra os fundamentos neoliberais e mercadológicos e a grade curricular do NEM, que prioriza umas disciplinas em detrimento de tantas outras no núcleo básico, além de inserir no núcleo diversificado, atividades e conteúdos descontextualizados da realidade dos estudantes oriundos das classes populares”. 

Resistência docente e da comunidade 

De acordo com Carlos Augusto Aguilar Junior, coordenador do Coluni, a portaria 521/2021, do Ministério da Educação (MEC) ainda do governo Bolsonaro, determinava a implementação do Novo Ensino Médio a partir de 2023 e o ajustamento do Enem a esse novo modelo de Ensino Médio. “Nas discussões que realizamos, estudamos a legislação e ouvimos experiências em outros espaços, de sorte que pudéssemos avaliar como faríamos no Coluni”, explicou o professor, que é ex-diretor da Aduff-SSind nas gestões 2016-2018 e 2018-2020. 

Segundo Carlos, se o Coluni tivesse decidido adotar o NEM, considerando os itinerários formativos defendidos na proposta inicial do governo, seria necessário excluir disciplinas da grade. Tais itinerários são: Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais aplicadas, Linguagens e Matemática. “Então, nosso pacto foi o de que não haveria redução de disciplina: ‘Nenhuma disciplina a menos’”, lembrou o professor. 

Para Carlos Augusto, com o NEM no modelo proposto pelo governo, o trabalho seria precário, já que a formação é voltada para atender as exigências do mercado de trabalho, conforme defesa do modelo econômico neoliberal. “Mantivemos a grade curricular que acreditamos ser importante para um cidadão pleno e crítico que saiba fazer a leitura da realidade e atuar de forma determinante na sociedade em que se insere”, defendeu. 

De acordo com o docente de Matemática, o que o NEM expressa é uma concepção de sociedade que se conforma com a precarização das condições de trabalho, das relações sociais, e estimula o empreendedorismo diante da escassez de direitos. “O que se coloca para o trabalhador do futuro é uma escolha entre ter trabalho ou ter direitos trabalhistas, como se não houvesse outra opção. E nós não queremos isso”, considera Carlos Augusto. “Por isso esse movimento que estamos fazendo, de luta e de resistência. E só bancamos isso porque temos o apoio expressivo do corpo docente do Coluni”, complementou. 

Revoga NEM!

Carlos Augusto ressalta a importância da campanha nacional pela revogação do NEM, que conta com o apoio e liderança do Andes - Sindicato Nacional e a participação da Aduff-SSind. Para ele, é necessário repensar o modelo do Ensino Médio, a fim de combater a evasão escolar. Adverte que não é a atual reforma proposta pelos governos Bolsonaro e, agora, remendada pelo governo Lula, “que prioriza a formação do estudante cada vez mais rala em ​​termos de conhecimento”. 

Luciana Collier diz que a proposta recentemente reenviada pelo MEC a ser debatida e votada no Congresso Nacional, já durante o atual governo Lula da Silva, é um rearranjo da anterior. “Se o relator da proposta, o atual deputado federal Mendonça Filho, é o mesmo Ministro da Educação que a ‘criou’, não podemos esperar modificações relevantes”, apontou. 

Para ela, outro sinal de que a atual proposta não traz um aceno positivo ao ensino público é que o grupo que ajudou a construir a proposta em 2015/16, “Todos pela Educação”, lançou nota técnica dizendo: “a decisão pela manutenção de pilares estruturais da reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017, representa um grande ponto positivo. A proposta de texto legislativo traz outros avanços importantes, mas enxergamos que há, também, amplo espaço para melhorias”. 

“É importante ressaltar que este grupo é formado por grandes empresas que investem na educação, para interferir na formação de mão de obra barata para o mercado de trabalho”, alertou a professora. 

De acordo com ela, “o corpo docente do Coluni-UFF segue atento aos movimentos do Congresso Nacional nas decisões sobre o NEM e continuará lutando pela educação pública, gratuita e de qualidade”.

Da Redação da Aduff
Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco

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