"Justiça, justiça, justiça…". Provavelmente esta foi a palavra mais ouvida na manifestação ocorrida na orla da Barra da Tijuca, no sábado, dia 5 de fevereiro de 2022, doze dias após o assassinato do trabalhador refugiado congolês Moïse Kabagambe.
Convocado pela família, por setores da comunidade congolesa no Rio e diversas organizações antirracistas e de direitos humanos, o ato começou em frente aos quiosques Tropicália e Biruta, na Barra da Tijuca, Zona Oeste, onde, na noite do dia 24 de janeiro, Moïse foi amarrado e morto a pauladas - a agressão que o levou a morte foi captada pelas câmeras de segurança do local.
Fotos do ato por Justiça para Moïse Kabagambe - clicar aqui
Sindicatos, entidades dos movimentos sociais e partidos de esquerda apoiaram o protesto e ajudaram a convocá-lo. A Associação dos Docentes da UFF - Seção Sindical do Andes-SN esteve representada e ajudou junto com o Sintuff a assegurar ônibus para transportar quem desejasse sair de Niterói para ir ao ato. Também fez a cobertura ao vivo da atividade, pela TV Aduff em parceria com o Sindscope - Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II.
"Muita gente se manifestando, um número significativo, com diversos grupos que se constituem para as lutas. Cada fala reflete a indignação a respeito do que aconteceu, mas também do que somos, de como nos constituímos. Aquela ilusão do povo cordial precisa ser analisada, que cordialidade é essa entre pares? Como nós nos educamos para superar o racismo e essas condições de vida bastante dificeis, principalmente para os mais pobre e os negros", disse a professora Gelta Xavier, da Faculdade de Educação da UFF e diretora da Aduff.
Racismo
"Basta ser negro para ser suspeito", disse uma das muitas oradoras do carro de som, observando que o que se passou no Tropicália acontece cotidianamente no Brasil: preto é executado. A suspeição pela cor da pele se aplica ao que aconteceu com Moïse, como também a Durval, outro trabalhador negro assassinado poucos dias depois por um sargento da Marinha, Aurélio Alves Bezerra, quando pegava as chaves do portão do condomínio em que morava, em São Gonçalo. O sargento confessou que disparou três tiros contra Durval porque 'achava' que ele iria tentar assaltá-lo. Manifestantes também expunham cartazes pedindo "Justiça por Durval".
O fim de semana teve protestos contra o racismo e a xenofobia em ao menos 20 cidades brasileiras. Também ocorreram atos no exterior, como em Nova Iorque, Londres e Berlim. Pelo menos cinco ônibus levaram manifestantes para participar da manifestação na Barra, que contou com um carro de som. Representantes de diversas organizações e coletivos usaram o microfone para expressar seu repúdio e exigir justiça. A motivação racial foi reiteradas vezes mencionada e pautou toda a manifestação. Cartazes expunham a frase "Vidas negras importam".
Comoção
A família do congolês chegou ao protesto por volta das 10h30. Sob o forte calor do verão carioca (os relógios, que marcavam 30 graus, não refletiam a sensação térmica muito superior), Ivana Lay, mãe da vítima, e demais familiares foram recebidos com muitos aplausos e em meio a forte emoção. Tocou o hino do Congo. Muitos manifestantes foram às lágrimas.
Segundo a família, a motivação do crime teria sido a cobrança de uma dívida trabalhista. Moïse, que tinha 24 anos, fazia bicos em quiosques da orla e teria ido ao Tropicália para receber R$ 200,00, que não teriam sido pagos. Depois de ganhar repercussão nacional e internacional, três envolvidos no assassinato se entregaram e foram presos no dia 1º de fevereiro. Inicialmente, vão cumprir prisão temporária de 30 dias.
Quiosques
Durante o protesto, um pequeno grupo de jovens esmurrou o quiosque Tropicália e tentou retirar sua placa. Um tumulto se formou, mas, atendendo aos apelos dos ativistas que estavam no carro de som, foi rapidamente contido. Um dos jovens envolvidos teve uma forte crise de choro e foi amparado por manifestantes. O protesto durou mais de três horas, foi marcado por muita indignação e comoção e transcorreu de forma pacífica.
No mesmo dia do ato, a Prefeitura do Rio anunciou que pretende transformar os quiosques Tropicália e Biruta num memorial em homenagem à cultura congolesa e africana, cuja administração será oferecida à família de Moïse. É provável que a iniciativa, pouco comum às administrações públicas em casos similares, decorra da enorme repercussão que o crime provocou e da reação dos movimentos que combatem o racismo.
DA REDAÇÃO DA ADUFF