A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (18) o texto-base do Projeto de Lei (PL) 3.179, de 2012, que regulamenta a prática de educação domiciliar no Brasil (ou homeschooling, em inglês). Os destaques apresentados ao projetos foram analisados na tarde de quinta (19). Com a rejeição de todas as sugestões de alteração no texto, a votação foi concluída e segue agora para análise do Senado Federal. No ano passado, a matéria foi a única colocada como prioridade na educação pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que conseguiu aprovar o regime de urgência na Câmara, acelerando sua tramitação.
O texto votado permite que a Educação Básica - ensino Infantil, Fundamental e Médio – seja oferecida em casa sob responsabilidade de pais, mães ou tutores e tutoras legais. O projeto também prevê a obrigação do poder público de zelar pelo adequado desenvolvimento da aprendizagem do estudante. Atualmente, o ensino domiciliar não é permitido no Brasil.
De acordo com Elizabeth Barbosa, da coordenação do Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE) e 2ª vice-presidente da Regional Rio de Janeiro do Andes-SN, a aprovação do PL irá retirar direitos conquistados prejudicando milhões de estudantes.
"É muito preocupante o que está acontecendo. A aprovação do homeschooling fere diretamente a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], que garante a educação escolar de qualidade, assim como fere a Constituição Federal que garante que a educação é para todos e um dever do Estado. Com a aprovação do homeschooling a obrigação passa para os pais e para o próprio estudante", critica a docente.
Em nota divulgada na quinta-feira, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) também condenaram a aprovação do PL 2.401/2019.
“Alertamos desde a criação do projeto citado, que a educação escolar (regular) necessita de mais investimentos, principalmente para superar os desafios históricos e intensificados na pandemia. É inaceitável que com tantos obstáculos enfrentados pelos estudantes, incluindo os cortes orçamentários e a ausência de soluções, o governo Bolsonaro coloca como prioridade esta pauta de costumes - um projeto que está em total desconexão das urgências dos estudantes e dos brasileiros”, diz o documento.
O que diz o projeto
Pelo projeto aprovado pela Câmâra, para usufruir da educação domiciliar a e o estudante deve estar regularmente matriculado, anualmente, em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do aprendizado. A cada três meses, o registro das aulas e atividades deverá ser enviado à escola e uma tutora ou um tutor da instituição de ensino terá encontros semestrais com as alunas e os alunos, mãe, pai, responsáveis ou pessoa que acompanha e orienta a educação da criança ou do adolescente.
Pelo menos mãe, pai ou responsável deverá ter escolaridade de nível superior ou educação profissional tecnológica em curso reconhecido. A comprovação dessa formação deve ser apresentada perante a escola no momento da matrícula, quando também ambos as e os responsáveis terão de apresentar certidões criminais das Justiças federal e estadual ou distrital. Já o conselho tutelar, nos termos da legislação, deverá fiscalizar a educação domiciliar.
Se o projeto virar lei, as regras entrarão em vigor 90 dias após sua publicação. Para quem optar pela educação domiciliar, nos dois primeiros anos haverá uma transição quanto à exigência de ensino superior ou tecnológico.
Tramitação
O projeto sobre a educação domiciliar estava parado na Câmara dos Deputados desde dezembro de 2019, mas voltou a ser movimentado em março de 2021, após Jair Bolsonaro entregar aos presidentes eleitos da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG), uma lista com 35 pautas prioritárias do governo no Congresso para 2021.
A pauta era um dos compromissos de campanha do Bolsonaro com sua base conservadora, sobretudo a ala ligada às igrejas evangélicas.
No Brasil, o movimento em defesa da educação domiciliar ganhou força nos setores mais conservadores da sociedade, que protestam contra atividades que buscam falar sobre a questão de gênero e assuntos como sexualidade nas escolas. O discurso seria o de que escola estaria ensinando "perversões para as crianças dentre elas a ‘ideologia de gênero'".
O Andes-SN defende a educação pública e de qualidade enquanto direito de todos e todas, conforme escrito na Constituição Federal de 1988, portanto, um dever do Estado. Para o Sindicato Nacional, toda criança tem o direito a receber uma educação de qualidade, com profissionais qualificados, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além do direito à socialização, à convivência comunitária e a ser parte de um mundo inclusivo, aprendendo a lidar com as diferenças. A participação e vivência na comunidade escolar são imprescindíveis para a efetiva inclusão social e formação como cidadãos e cidadãs.